Nestes tempos, quando se escancara para a sociedade brasileira a corrupção sistêmica que impera como norma em favor de ocupantes de cargos públicos no Poder Executivo, Legislativo, e em alguns casos no Poder Judiciário, é urgente e necessário que, aquele investido do poder de jurisdição, preocupe-se em interpretar a norma legal com o absoluto empenho de entregar Justiça, dando menor importância para vírgulas, incisos, parágrafos e leituras combinadas.
Dentro do absurdo emaranhado de normas existentes no Brasil, quase que se pode fundamentar qualquer decisão para justificar qualquer posição.
Mas, é passado a hora de interpretar o direito com vistas a não legitimar injustiças a impunidades.
Justiça é algo que se espera ter em qualquer sociedade.
No preâmbulo de nossa Constituição Federal, prefácio que serve para dar o tom que se espera de um Estado, está expressamente grafado o seguinte:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”
Portanto, o Estado brasileiro está instituído para assegurar JUSTIÇA entre outros valores.
É lógico que não se pretende existam interpretações que venham a ferir garantias fundamentais que são uma proteção da sociedade contra arbítrios ou punir inocentes, mas nestes tempos estamos vendo verdadeiros criminosos, especialmente do colarinho branco, sendo tratados como fossem apenas um pouco desajustados e saindo ilesos de seus crimes.
A sociedade brasileira clama por um novo País, ético, justo, com oportunidade para todos, e, sobretudo, que sejam apenados todos aqueles que se valeram do Estado para cometer todo tipo de ilícito.
Um exemplo de extração da Justiça na interpretação da norma, ocorreu no caso em que o STF alterou sua jurisprudência, passando a entender ser possível a execução da pena após decisão condenatória confirmada em segunda instância, apesar de a Constituição dizer que ninguém será culpado até trânsito em julgado da decisão penal condenatória.
Foi uma interpretação dentro dos limites do ordenamento jurídico pátrio e que visa estabelecer Justiça em um país injusto. Todos sabemos que muitos criminosos, inclusive os mais perigosos de colarinho branco, nunca chegaram a ser punidos sob o manto daquela proteção constitucional.
Outros exemplos são: a interpretação do STF confirmando entendimento de que o STJ não precisa de autorização das Assembleias Legislativas para instaurar ação penal contra governadores e, mais recente, decisão da Justiça Federal do Rio de Janeiro suspendendo a posse da deputada federal Cristiane Brasil para assumir o cargo de Ministra do Trabalho, por interpretar que tal nomeação ofenderia o princípio da moralidade administrativa, diante de atos irregulares atribuídos à deputada.
O fato é que, no Brasil atual, se não houver um freio para estabelecer limites do que é justo, pessoas que se acham dono do poder querem tomar todo tipo de decisão que beneficiem exclusivamente interesses pessoais ou de sua “coletividade privada”, em detrimento da sociedade e do que é público e moral.
A interpretação da norma deve levar em conta os valores morais de uma sociedade, buscar a paz social, justiça e provocar certo temor naqueles que atuam à margem da lei.
Não me parece justo, por exemplo, Paulo Maluf ser condenado somente em 2017, por ilícitos cometidos durante sua gestão como prefeito no período entre 1993 a 1997, e ter usufruído plena liberdade e das benesses do Estado durante tanto tempo como deputado federal, como também não me parece justo que seja autorizado a cumprir pena em casa.
Não me parece justo que muitos “mensaleiros” e envolvidos no caso “pretolão”, com bilhões roubados, já estejam em suas mansões usufruindo do bom e do melhor e, quem sabe, até utilizando o próprio dinheiro roubado para manter seus privilégios.
Atualmente a sociedade brasileira deposita grande esperança no Poder Judiciário para estabelecer alguma ordem e justiça no País, posto que o Legislativo e Executivo perderam totalmente princípio basilares da administração pública.
Quiçá a confiança nestes últimos Poderes seja restaurada, mas esta não é a ordem atual.
Portanto, no estágio em que o Brasil se encontra, não se pode mais aceitar interpretações do direito que aparentemente estariam em consonância com a norma legal, mas apresentam-se em total dissonância com a JUSTIÇA.
A justiça deve ser a meta da norma.
Quem julga tem o dever de perseguir e entregar JUSTIÇA, sinalizando para a coletividade que o crime não compensa.
Conforme o pensamento atribuído a Eduardo Juan Couture: “Teu dever é lutar pelo Direito. Mas, no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça”.
Que encontremos neste Brasil mais Justiça, sem entrar no arbítrio.
Rogério Gomez
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